A evolução dirigida de Frances Arnold transformando a indústria
10.12.2018
por Carlos Alberto Xavier Gonçalves*
A tela do computador ou do celular em que você lê este texto neste momento, assim como os semicondutores presentes em seus componentes internos, contêm, em sua constituição, moléculas nas quais estão presentes certas ligações químicas bastante raras na natureza, mas muito úteis na indústria: as ligações entre átomos de carbono e de silício. Encontradas também em muitos outros setores econômicos, como em fármacos, compostos adesivos, tinturas e repelentes, as ligações carbono-silício são bastante complicadas de serem produzidas sinteticamente, em geral envolvendo o uso de solventes tóxicos e de metais pesados. Mas se depender de Frances Arnold, co-laureada com o Prêmio Nobel de Química de 2018, a indústria está prestes a deixar esses tempos para trás. A pesquisadora, que ocupa o cargo de Professora Linus Pauling de Engenharia Química, Bioengenharia e Bioquímica da Universidade Caltech, nos Estados Unidos, recebeu a mais alta honraria da ciência por desenvolver um revolucionário método de aprimoramento de enzimas, denominado evolução dirigida, que pode ser usado para manufaturar tudo, desde biocombustíveis até farmacêuticos.
De acordo com esta técnica, o DNA contendo a sequência para a produção de uma enzima é copiado muitas vezes, em uma reação em laboratório, por meio de um sistema que tende a induzir erros aleatórios nas cópias. Esses genes modificados são, então, inseridos em microrganismos, que utilizam sua maquinaria celular para fabricar as enzimas, que acabam sendo produzidas com “peças erradas”, quando comparadas à estrutura original. O segredo está nos números. Enquanto a maior parte das cópias alteradas vai ser modificada para pior, eventualmente surgirá alguma que funcionará um pouco melhor que a enzima que já existia na natureza. O processo pode, então, ser repetido, tendo essa versão um pouco melhorada como alvo, e assim por diante, de tal forma que, ao final de algumas gerações, temos uma proteína que acumula múltiplas diferenças, se comparada à original, e capaz de desempenhar a atividade de interesse com eficiência significativamente mais alta!
A técnica foi originalmente publicada por Arnold na década de 1990 e já foi aplicada em diferentes proteínas de interesse para a indústria. Em um destes casos, a equipe da professora foi capaz de identificar, em uma bactéria que habita fontes termais submarinas na Islândia, uma enzima com baixíssima atividade de criação das ligações carbono-silício quando forçada em laboratório. Após apenas três repetições do processo de evolução dirigida, Arnold e seus colaboradores haviam obtido uma versão dessa enzima capaz de criar esse tipo de ligação química de maneira 15 vezes mais eficiente que o melhor catalisador químico conhecido, e ainda por cima com alta especificidade, em temperatura ambiente, em meio aquoso e sem depender de nenhum material tóxico.
Outras publicações recentes da cientista premiada incluem o uso da tecnologia na otimização de enzimas para o estabelecimento de ligações químicas do tipo carbono-boro e para a criação de moléculas de biciclobutano, que contêm anéis de carbono de alta energia que são bem difíceis de serem produzidos. Mas não somente o grupo de pesquisa de Arnold tem utilizado a técnica. A Merck, gigante do setor farmacêutico, fez uso do processo de evolução dirigida para criar a droga Januvia para o tratamento de diabetes, aproveitando-se da oportunidade de exploração comercial de enzimas desenvolvidas pelo método, que não foi patenteado pela inventora.
Resultado de três anos de intenso trabalho, a evolução dirigida estabelece um rompimento com o paradigma de que experimentos científicos deste tipo deveriam ser feitos somente a partir de um design racional e planejado, construídos em cima do conhecimento disponível a respeito do funcionamento das proteínas. Ainda que possam ser amparadas por softwares e métodos que permitam realizar algumas simulações dentro do universo conhecido de possibilidades, abordagens não-racionais como essa têm se mostrado alternativas muito mais economicamente viáveis para alcançar resultados eficientes ao lidar com sistemas complexos demais para serem completamente modelados.
Uma abordagem similar é a evolução dirigida de organismos, utilizada na plataforma de Biologia Sintética do Instituto Senai de Inovação Biossintéticos, do SENAI CETIQT, no desenvolvimento de linhagens de organismos mais adaptados ao crescimento em condições específicas, tais como em certas faixas normalmente abaixo do ideal de temperatura e pH, ou em meio contendo substâncias normalmente tóxicas, o que propicia ainda mais possibilidades em inovação tecnológica, a serem exploradas pelos nossos parceiros.
*Bacharel em Ciências Biológicas, mestre e doutorando em Bioinformática. Atualmente, é pesquisador na plataforma de Biotecnologia do Instituto SENAI de Inovação Biossintéticos, no SENAI CETIQT.