A química da transição energética

A química da transição energética

10.09.2023

 Por Anderson Dutra*

 e Valter Shimidu**

Os produtos químicos são o terceiro maior emissor de dióxido de carbono (CO2) entre todos os setores industriais — sendo que, se o setor de produtos químicos fosse um país, seria o quinto maior emissor de CO2 direto no mundo. A própria natureza dos processos faz dele um produtor significativo de CO2. Para atingir as metas de zerar as emissões líquidas de carbono, o setor de produtos químicos tem um papel crucial a desempenhar, reduzindo suas emissões e ajudando outros setores a fazerem o mesmo.

Além da alta produção de carbono, o setor também interfere significativamente para as diminuições de carbono de muitas outras indústrias, pois mais de 95% dos produtos manufaturados dependem de produtos químicos. A redução das emissões de carbono do processo de produtos químicos teria um impacto positivo significativo além da própria indústria. Essa pauta de descarbonização tem sido discutida há algum tempo, e o setor de produtos químicos tem feito esforços consideráveis para promover a sustentabilidade.

A indústria há muito tempo adota as principais práticas em torno dos processos de segurança e da proteção do meio ambiente. Ela implementou sistemas avançados em áreas como a reciclagem de águas residuais e, cada vez mais, incorpora tecnologias de ponta a processos para maximizar a segurança e minimizar o impacto ambiental. Mas, como uma série de outros setores, não há dúvida de que é um desafio tirar o carbono e outros gases com a escala e velocidade necessárias. Os produtos químicos são famosamente difíceis de descarbonizar, pois grande parte da matéria-prima que usa vem de combustíveis fósseis.

A pauta do zero líquido aumenta em uma prioridade estratégica, exercendo uma pressão cada vez maior sobre as empresas de produtos químicos, de governos, órgãos reguladores, investidores, ONGs e outras partes interessadas, para elaborar planos de transição energética críveis e detalhados. Esse é o exato momento para tornar isso estabelecido nesta década, pois só assim as várias metas estipuladas permanecerão factíveis para 2030 e depois.

Hoje, a eletricidade tem uma participação de 10% no consumo de energia do setor químico. Para o Cenário de Emissão Zero (IEA NZE), entre 2030 e 2050, prevê-se que o total de emissões de CO2 do setor seja de 1,2 Gt, e o setor reciclará 27% dos plásticos produzidos. Estima-se que a utilização de vapor elétrico e de hidrogênio verde estará em escala comercial, todas as usinas de carvão não entubadas serão eliminadas gradualmente e as emissões da geração de eletricidade atingirão o valor líquido zero. A IEA NZE projeta que, após 2050, o total de emissões do setor químico cairá para 65 Mt. O setor terá uma taxa de reciclagem de plásticos de 54%, mas o uso de combustíveis fósseis não será eliminado totalmente, pois ele é usado na produção petroquímica de matérias-primas.

Como as empresas de produtos químicos podem melhor impulsionar uma estratégia de descarbonização que proporcionará a transformação necessária? Em primeiro lugar, é preciso considerar estratégias para a redução de emissões, que é a prioridade principal. Em segundo lugar, também é necessário considerar como as empresas de produtos químicos podem ajudar a permitir a produção e a adoção de energia renovável de maneira mais ampla. Isso beneficiará potencialmente todos os setores empresariais e comunidades em geral. E, em terceiro lugar, examinar como os produtos químicos podem aumentar a eficiência energética e material e beneficiar a cadeia de valor.

Como esta é uma indústria que faz uso intenso de energia, reduzir o impacto dos gases de efeito estufa na energia que o setor químico utiliza é crucial para a transição. O sucesso depende de combinar a redução tanto nas emissões de combustível quanto nas emissões de processos. Para o combustível, isso significa mudar para fontes de energia renovável sempre que possível em vez de eletricidade e gás derivada de combustíveis fósseis convencionais. Em uma medida significativa, a indústria de produtos químicos depende da descarbonização e do progresso de transição do setor de energia do qual ela retira sua oferta.

O crescimento da geração de energia movida a energia eólica e solar é encorajador, mas pode não ser suficiente por si só. Fontes alternativas de combustíveis são necessárias — uma delas é o hidrogênio, que tem um grande potencial como fonte limpa de combustível para substituir o petróleo e o gás convencional — seja azul ou cinza no curto prazo, ou potencialmente verde no médio prazo. O hidrogênio verde torna-se comercialmente atraente. Alguns observadores acreditam que uma mistura de gás natural, hidrogênio azul e armazenamento de captura de carbono é a opção mais viável. De diversas maneiras o setor de produtos químicos precisa estabelecer parcerias para cima e para baixo na cadeia de valor para acelerar essa transição.

A pauta mais ampla das questões ESG tornou-se uma prioridade corporativa central em todos os setores à medida que as partes interessadas procuram as empresas para adotar valores éticos, equitativos e sustentáveis em todos os aspectos de suas operações. Elas tomam uma ampla gama de áreas: proteção da área natural e garantia de um gerenciamento cuidadoso dos resíduos e das águas perigosas; segurança dos produtos, saúde e segurança dos funcionários e promoção da inclusão e da diversidade entre força de trabalho e relações comunitárias. Isso aumenta o engajamento com comunidades locais e grupos sociais que possam preocupar-se com questões de saúde e segurança e com impactos ambientais de quaisquer operações químicas propostas em sua localidade.

Outra parte crítica do quadro é a regulamentação que está sendo introduzida para estimular, incentivar e, quando necessário, forçar as empresas a adotarem práticas sustentáveis e de baixo carbono. Algumas dessas iniciativas regulatórias são, de fato, cheias de oportunidades para produtos químicos — tais como a Lei de Redução da Inflação (IRA) nos Estados Unidos, e o cenário regulatório em outros locais-chave, como a UE. Além disso, a noção de responsabilidade estendida do produtor está crescendo e podem começar a ser consagrados na regulamentação em algumas partes do mundo. Isso faz com que os fabricantes e fornecedores de produtos químicos sejam encarregados da coleta e solução dos produtos que produzem. Como resposta ao cenário regulatório em evolução e para ajudar a maximizar as oportunidades e proteger-se contra riscos negativos, as empresas químicas devem se manter ativamente informadas.

*Anderson Dutra é sócio-líder de Energia e Recursos Naturais da KPMG no Brasil.

**Valter Shimidu é sócio-líder do segmento de Químicos e Petroquímicos da KPMG no Brasil.