O futuro da moda brasileira é sustentável… e o futuro começa agora
02.12.2024
Por Eduardo Girote
O mercado da moda no Brasil tem raízes profundas, sendo um setor que se desenvolveu ao longo das décadas em sintonia com as transformações culturais, sociais e econômicas do país. Desde os primeiros desfiles de moda nos anos 1950, onde a Rhodia se destacou como uma das pioneiras na criação e promoção de eventos que conectavam moda com arte e cultura, até os dias de hoje, onde o foco da empresa é a inovação tecnológica, o setor vive em estado de reflexão sobre o seu futuro. A moda, afinal, é mais do que uma indústria: é uma expressão cultural e pessoal, uma forma de comunicação e identidade. Portanto, a moda sempre existirá, mas o seu futuro depende de como ela se adaptará aos novos desafios do mundo contemporâneo. E, agora, mais do que nunca, no que diz respeito à sustentabilidade.
Muito tem se falado sobre o impacto da indústria têxtil no mundo e no Brasil, já que o consumo exacerbado e o modelo de produção em massa geram efeitos colaterais significativos no meio ambiente. A busca por um consumo mais consciente de moda é, sem dúvida, uma resposta necessária e válida. Entretanto, é preciso entender que a sustentabilidade na moda não é uma estrada de mão única. O cenário exige uma visão holística e colaborativa entre todos os elos da cadeia de produção, desde o design até a disposição final das peças nas lojas.
Atualmente, o Brasil tem experimentado ações isoladas em busca de sustentabilidade na moda. Iniciativas importantes estão sendo implementadas por marcas e fabricantes, mas elas não são suficientes para estruturar uma cadeia de moda sustentável de forma ampla. Sem uma integração verdadeira entre os diferentes agentes desse mercado, os avanços ficam fragmentados e, muitas vezes, esbarram em gargalos logísticos, de produção e de tecnologia.
A Rhodia, por exemplo, possui fios de decomposição acelerada em aterros sanitários e oceanos, e detém um processo que possibilita a produção de materiais reciclados, mas enfrenta a dificuldade de encontrar materiais pós-consumo em condições adequadas para reciclagem. Entre eles estão tecidos mistos, como poliamida com elastano, comuns em diversos tipos de peças, que são desafiadores nesse contexto, pois a mistura de materiais não é apropriada para a reciclagem dos tecidos.
Para que a moda no Brasil possa de fato seguir um caminho sustentável, é fundamental unir forças. Isso inclui educar a cadeia produtiva sobre as possibilidades de ecodesign, ou seja, a criação de produtos com uma visão clara, desde de seu ciclo de vida desde o início do seu desenvolvimento, contendo 100% de um mesmo material, como a poliamida pura, sem misturas, além de integrar tecnologias que viabilizem esse processo. Na Rhodia, começamos a lição dentro de casa, desenvolvendo uniformes 100% recicláveis para o nosso time, feitos de poliamida 6.6 pura, que podem ser reutilizados como matéria-prima ao final do ciclo de uso. Isso mostra que estamos buscando ser parte do início da mudança.
Apesar dessas iniciativas promissoras, os desafios são muitos. A cadeia produtiva têxtil no Brasil ainda não está plenamente preparada para abraçar a economia circular de forma eficaz. Existem plantas de reciclagem têxtil no país com tecnologia de ponta, mas a falta de matéria-prima adequada e a dificuldade na logística reversa dos materiais comprometem o potencial dessas soluções. Precisamos redesenhar as etapas da produção de moda, olhando para a reciclagem não como um esforço isolado, mas como parte intrínseca do processo produtivo.
Como fornecedores de matéria-prima, somos parte ativa nessa transformação e buscamos soluções inovadoras para os problemas que ainda emperram o avanço da sustentabilidade na moda. Desde a criação de plantas de separação de fios de diferentes origens, até o desenvolvimento de tecnologias de despigmentação da poliamida e a logística reversa de materiais, estamos trabalhando em múltiplas frentes. Parcerias com startups e investimentos em pesquisa para ferramentas de identificação automatizada de tecidos também fazem parte do nosso esforço para superar os gargalos existentes, e servem para inspirar o mercado como um todo.
O caminho para a moda sustentável no Brasil é desafiador, mas as bases estão sendo construídas. Para além da necessária integração da cadeia produtiva, é preciso mirar na garantia de escala e eficiência, para que a moda sustentável deixe de ser um nicho restrito e se torne uma alternativa viável para o grande público. Com a implementação de tecnologias de reciclagem mais eficientes, o avanço do ecodesign e a coordenação de toda a cadeia produtiva, será possível oferecer produtos sustentáveis a um custo acessível e alcançar o verdadeiro potencial de uma indústria circular mais justa, limpa e sustentável. O futuro da moda no Brasil está diante de nós e é nosso dever moldá-lo desde já, de forma responsável e consciente, pois ele começa agora.
* Eduardo Girote é Diretor de Estratégia da Solvay-Rhodia no Brasil