Regulação da IA no Brasil: Um delicado equilíbrio entre inovação e proteção

Regulação da IA no Brasil: Um delicado equilíbrio entre inovação e proteção
Emilio Duque Bugs é Data Protection Officer e Legal Director LATAM & USA da GFT Technologies

20.02.2025

Emilio Duque Bugs*

A regulação da Inteligência Artificial (IA) no Brasil tem sido um tema de crescente importância e debate nos últimos meses, impulsionada, sem dúvidas, pelo inegável avanço tecnológico e crescente popularidade de ferramentas de IA em nosso dia a dia. Houve com um avanço significativo na aprovação de legislações que buscam equilibrar inovação tecnológica e proteção dos direitos individuais e coletivos. Em 2024, o Senado aprovou uma proposta de regulação da IA (o Projeto de Lei n.º 2338/2023, de autoria do atual Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco), que ainda precisa ser discutida e aprovada na Câmara dos Deputados em 2025. Esse marco legislativo surge quando o mundo discute como lidar com as rápidas inovações tecnológicas proporcionadas pela IA, e o Brasil não está imune a essas questões globais.

A proposição aprovada pelos senadores adota uma posição alinhada à legislação europeia, o EU Artificial Intelligence Act, em vigor desde julho de 2024, colocando a pessoa humana como foco da regulamentação, buscando a preservação dos direitos dos humanos frente aos avanços tecnológicos, algo que remete a conceitos similares aos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Tal abordagem visa assegurar que as empresas que operam no Brasil, especialmente as que lidam com IA, priorizem os direitos dos cidadãos, protegendo-os de abusos que possam surgir do uso inadequado ou descontrolado de tecnologias emergentes, requerendo, para tanto, processos maduros de governança interna nessas companhias. O Brasil inova ainda ao proteger também os direitos autorais de obras eventualmente utilizadas para treinamento das plataformas de AI, algo que não encontra paralelo na legislação europeia.

A regulação da IA no Brasil, ao garantir que o uso dessas tecnologias seja realizado de forma ética, também propõe a implementação de estruturas robustas de governança e compliance dentro das empresas. Em um cenário no qual as grandes corporações dominam o mercado de IA e outros avanços tecnológicos, a lei pretende equilibrar o poder entre as empresas de tecnologia e a necessidade de proteção de direitos fundamentais. Nesse sentido, a legislação exige uma grande maturidade de empresas que se propõem a atuar na área (tanto como fornecedoras, como usuárias), recaindo sobre essas a responsabilidade de analisar os possíveis impactos de cada ferramenta, adotando as medidas mitigantes correspondentes, o que pode se tornar um grande desafio para as corporações, que precisarão ter um conhecimento profundo de suas operações, clientes e parceiros, e adaptar suas políticas internas e garantir que estão em conformidade com as normas estabelecidas.

No aspecto ético, a questão da IA é uma das mais discutidas no contexto brasileiro, o que ganha relevância frente ao impacto do novo governo dos Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump. Lá, o presidente tem se alinhado com as grandes empresas de tecnologia (as Big Techs) e propôs um discurso que prioriza a desregulamentação da IA e da tecnologia em geral. O impacto de uma postura como essa é considerável, pois, ao incentivar um modelo de desregulamentação, Trump pode minar os esforços globais em busca de uma abordagem mais equilibrada e controlada no uso de IA. Esse movimento poderá gerar tensões nos mercados internacionais, com implicações diretas sobre os países em desenvolvimento, como o Brasil, que têm se empenhado em estabelecer uma regulação mais rígida, mas que pode ser confrontada com interesses econômicos mais liberais.

Para as empresas brasileiras, a adoção de uma regulamentação rigorosa, como a proposta, traz desafios e oportunidades. Se, por um lado, as obrigações de compliance podem resultar em custos adicionais e exigências administrativas, por outro, a regulação pode criar um ambiente de maior confiança para consumidores e investidores. A responsabilidade de as empresas olharem para si e adotarem políticas e medidas de governança adequadas aos riscos de suas operações não deve soar de todo estranha ao empresário brasileiro, tendo em vista já ter sido adotada em legislações mais recentes, como por exemplo a LGPD e a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13). Nesses exemplos, a adoção de práticas mais sustentáveis de governança interna trouxe uma bem-vinda maturidade a organizações, sendo muito recebidas de forma bastante positiva por clientes e parceiros de negócio, em um ambiente de negócios cada vez mais sofisticado.

A criação de um marco legal para a IA também pode servir de modelo para outras nações latino-americanas, posicionando o Brasil como líder na regulação responsável dessa tecnologia no continente. No entanto, é necessário avaliar com cautela como as empresas poderão se adaptar a essas exigências, especialmente as pequenas e médias empresas que podem encontrar dificuldades em implementar as práticas de governança exigidas.

Outro aspecto relevante é o impacto da regulação sobre os direitos autorais em um cenário de IA. Em um cenário em que somos impactados diariamente com obras que tenham sido criadas ou de alguma maneira auxiliadas por ferramentas de IA. A proposta em debate busca estabelecer um equilíbrio entre os direitos de empresas inovadoras e daqueles artistas cujas obras são utilizadas para “treinar” sistemas de IA. Por exemplo, no setor de música e entretenimento, isso pode redefinir royalties e a divisão de receitas de produções automatizadas com IA, alterando significativamente o panorama dos negócios em áreas como a produção de conteúdo digital, o entretenimento e a publicidade, por exemplo, onde o uso de IA está cada vez mais presente (exemplos não faltam, mas recomendo aqui a música “mais recente” dos Beatles, “Now and Then”, reconstituída com auxílio de IA). Com isso, as empresas precisarão repensar suas estratégias de monetização e garantir que seus modelos de negócios estejam alinhados com as novas exigências legais.

A urgência dessa regulação é algo que segue sendo reforçado por especialistas do setor tecnológico e jurídico no Brasil. Em comum, é sempre destacado que a regulação da IA trata-se de um passo fundamental e urgente para garantir que a tecnologia seja utilizada de forma responsável e benéfica para a sociedade. Esses agentes enfatizam que, sem um marco regulatório claro, o Brasil corre o risco de se tornar um mercado vulnerável para o uso descontrolado de IA, com impactos negativos tanto para os consumidores quanto para as empresas.

A regulação da IA no Brasil será um divisor de águas no desenvolvimento tecnológico e no ambiente de negócios do país. As empresas terão de adaptar suas práticas de governança, compliance e ética para atender às novas exigências legais, ao mesmo tempo em que o Brasil poderá se posicionar como um exemplo de regulação responsável no cenário global. No entanto, o impacto das tendências globais, como as adotadas pelo governo de Donald Trump, e a pressão das grandes empresas de tecnologia, pode colocar desafios adicionais, especialmente se o país não conseguir equilibrar de forma eficaz os interesses econômicos e a proteção dos direitos dos cidadãos. É necessário, portanto, acompanhar de forma bastante atenta os debates que ocorrerão sobre o projeto de lei, agora na Câmara dos Deputados, e se os congressistas serão de alguma forma impactados com a postura encampada pelos EUA.

Em última análise, o sucesso da regulação dependerá de sua capacidade de acompanhar a rápida evolução da tecnologia sem sufocar a inovação. Se implementada corretamente, essa regulação não apenas protegerá os cidadãos, mas também criará um ambiente propício para o crescimento sustentável da IA no Brasil, beneficiando empresas, consumidores e a sociedade como um todo.